O que está acontecendo no Peru?
- Emmanuel Coz Alarcon
- 22 de fev. de 2023
- 8 min de leitura
Te explicamos os motivos dos protestos e um resumo do panorama da política peruana.
Elaborado por: Emmanuel Coz Alarcon
Revisado por: Lussandra Gianasi
Nos últimos anos, os países da América Latina, inclusive o Brasil, têm passado por mudanças sociais e políticas importantes. Tem se observado uma volta dos partidos políticos de esquerda nos poderes executivos de vários países. Os partidos de esquerda na nossa região são representados por diversos formatos políticos, partidários e ideológicos, há desde uma esquerda autoritária e ditatorial, instauradas no poder há décadas - como no caso de Cuba (Miguel Díaz-Canel), na Venezuela (Nicolás Maduro) e na Nicarágua (Daniel Ortega) até uma esquerda progressista voltada para atender as demandas de movimentos sociais. Encontra-se também uma perspectiva anti-extrativista e democrática, em menor ou maior grau, como no caso do Chile (Gabriel Boric), da recente Colômbia (Gustavo Petro), e, também, no Brasil, com a volta do Lula ao poder.

Figura 1: Ideologías políticas dos países latino-americanos. Fonte: Statista, 2022.
O Peru, localizado na região ocidental da América do Sul, é um país que nos últimos cinco anos atravessa por uma crise política, entre processos de impeachment por casos de corrupção, suicídios de ex-presidentes, encarceramentos e renúncias. O mandato do presidente no Peru é de 5 anos, sendo que o último presidente a completar o período de mandato foi Ollanta Humala (2011-2016) já que, depois da renúncia de Pedro Pablo Kuczynski em março de 2018, uma série de governos transitórios comandaram o país de forma provisória e foi uma resposta imediata frente a crise política e sanitária que o país se encontrava.
A instabilidade política no Peru é um problema estrutural que foi se aprofundando durante as últimas décadas por meio de uma série de governos com pouca credibilidade e aprovação dos cidadãos. Também, o Congresso Nacional é de maioria opositora, composto por um conglomerado de partidos de centro-direita e direita extrema liderados pelo partido Fuerza Popular da ex-candidata Keiko Fujimori, filha do ex-presidente e ditador em prisão domiciliar Alberto Fujimori (1990-2000). Ela também foi processada e tem uma acusação criminal e pedido de 30 anos de prisão por lavagem de dinheiro e outros crimes. Para saber mais sobre as razões que decretaram a apreensão dela, pode acessar o seguinte link.
Desde 2016 até 2022, 6 presidentes governaram o país como resultado da crise política peruana, conforme a Figura 2.

Figura 2: Presidentes do Peru nos últimos 5 anos. Fonte: Ojo Público, 2022.
Pedro Pablo Kuczynski, presidente eleito em 2016 para o período 2016-2021, renunciou em 2018 devido à forte pressão dos casos de corrupção que o vinculavam com a empresa Odebrecht. A presidência foi assumida então pelo seu vice-presidente Martín Vizcarra em março de 2018 e foi destituído em novembro de 2020 por meio de uma moção de impeachment efetuado pelo Congresso Nacional justificando que Martín Vizcarra tinha recebido uma propina de $ 600 mil dólares do ´Clube da Construção´, um grupo de empresas construtoras nacionais e internacionais que ganharam licitações públicas por meio de propinas.
Em 9 de novembro de 2020, após um movimento de impeachment de legitimidade questionada, Manuel Merino substituiu Martín Vizcarra, ato amplamente rejeitado pela população em protestos e foi descrito como um "golpe" por meios de comunicação depois da mortes de dois estudantes nas manifestações contra a presidência de Manuel Merino no centro da capital, Lima. A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), condenou o uso extremo da violência exercida pela Polícia Nacional respaldada pelo Estado Peruano durante as manifestações como medida de controle.

Figura 3: Protestos contra Manuel Merino em Lima Fonte: Euro Press, 2020.
O governo dele durou só 5 dias, Manuel Merino renunciou à presidência do Peru em frente a fortes manifestações na capital e em todas as regiões do país, principalmente na serra andina sul em cidades como Arequipa, Cusco, Puno e Juliaca.
Francisco Sagasti assumiu a presidência do Peru com um governo de transição até as eleições de 2021. Toda esta crise política aconteceu durante as ondas mais devastadoras da pandemia da COVID-19 e, em um país com uma estrutura de saúde limitada e precária, tornou ao Peru, segundo os dados da BBC (2020), o país com a taxa mais alta de mortalidade por habitantes (101 por cada 100 mil habitantes)

Figura 4: Francisco Sagasti e Pedro Castillo Fonte: Cutivalu.Pe, 2021.
Nas eleições de 2021, Pedro Castillo foi eleito como presidente para o período 2021-2026. O candidato eleito, do partido Perú Libre de ideologia esquerdista, ganhou em segundo turno da candidata Keiko Fujimori do partido Fuerza Popular, filha do ex presidente e ditador Alberto Fujimori (1990-2000) como já mencionado, sentenciado pela Corte Suprema Penal depois de determinar que ele era o autor intelectual de homicídios, esterilizações forçadas,sequestro agravado e os massacres de Barrios Altos e La Cantuta, entre outros crimes.

Figura 5: Mapa de divisão de votos por cada região do Peru Fonte: BBC, 2021.
Pedro Castillo era uma figura relativamente nova no cenário político, ele foi dirigente sindical dos professores peruanos na província de Chota na região de Cajamarca localizada na serra andina norte peruana. Foi eleito presidente do Comitê de Luta das Bases Regionais do Sindicato Único de Trabalhadores da Educação do Peru (Setup) antes de se candidatar à presidência do Peru.
É necessário compreender a relação e estrutura social peruana uma vez que a figura de Castillo significou para muitos peruanos uma mudança na política tradicional, principalmente para a grande parcela da população peruana em regiões de conflitos socioambientais onde a presença do Estado é nula e vivem há décadas em situação de extrema pobreza.
A riqueza econômica e os principais centros urbanos no Peru encontram-se no litoral. Dos 33 milhões de peruanos, segundo os dados do INEI (2022), 10 milhões moram em Lima, a capital. Um terço da população peruana se encontra em um centro urbano e os outros dois terços espalhados em um país com uma geografia muito diversa, em comunidades afastadas de difícil acesso em distritos dos Andes ou em regiões amazônicas distantes dos centros urbanos e sem vias de conexão terrestre.
A diversidade cultural de povos indígenas espalhados em todo a região andina e amazônica peruana e os conflitos ambientais provocados por mineradoras transnacionais, garimpo ilegal, narcotráfico, trata de pessoas, etc. é uma situação que o Estado Peruano não consegue combater na luta contra estes problemas e em alguns casos, não possui controle nesses territórios, o que aumenta a situação de abandono e a não representatividade das regiões mais pobres do Peru no Congresso e no Executivo em Lima.
Na região sul dos andes peruanos, a pobreza extrema contrasta com a riqueza e produção de minérios como cobre, prata,etc. e é nesta região que concentram-se grande parte das mineradoras que contribuem com 16% do PIB peruano. Coincidentemente, esta é a região mais pobre do país onde a população se sente como alvo de racismo e exclusão, como mostra a Figura 6.

Figura 6: Mapa de pobreza no Peru Fonte: Comex Peru, 2022.
Como resultado disso, o Peru é um país socialmente desigual e centralizado na capital, onde o preconceito estruturado na sociedade peruana fortalece a figura do cidadão vindo do interior como uma pessoa racializada e incapaz, catalogada como ignorante devido ao baixo nível educativo em um país onde existe o acesso a serviços e direitos básicos são desiguais entre as populações que ocupam espacios urbanos e rurais.
O racismo e a intolerância a grupos minoritários ainda é frequente na sociedade e na política peruana, uma vez que o direito ao protesto é configurado socialmente como um ato de vandalismo e de distúrbio à ordem nacional e os manifestantes são considerados como terroristas, em um país com um trauma histórico da época do terrorismo que ocorreu entre 1980 e 2000 na qual grupos subversivos desdobraram suas ações com o objetivo de derrubar o estado democrático existente e estabelecer um estado socialista-maoísta por meio da violência armada. Estima-se que nos 20 anos de conflito interno morreram mais 77,000 mil pessoas assassinadas em massacres em comunidades indígenas, carros-bombas, atentados terroristas, etc., por parte dos grupos guerrilheiros Sendero Luminoso e MRTA (Movimiento Revolucionário Túpac Amaru).
Pedro Castillo representava a classe mais baixa e menos atendida pelo Estado Peruano, professor do interior do país, consciente da realidade do cidadão pobre que mora em zonas rurais, quechua-falante, indígena, etc. e trazia a esperança no cenário político para as classes mais marginalizadas do país.
Outro agente responsável pela crise política no Peru é o Congresso Nacional. No Peru, o poder do Congresso Nacional é decisório, uma vez que só possui uma câmara, em outras palavras, o que o Congresso decidir não precisa ser ratificado em outra instância, bem diferente do Brasil que há 2 casas (Senado e Câmara) e o Tribunal Supremo de Justiça. Na ausência de uma segunda câmara, como o Senado, no caso brasileiro, a legislação dita ao Congresso Nacional tomar decisões de grande relevância na política peruana. No entanto, há um congresso desacreditado pela opinião pública e conformado pela maioria opositora de extrema direita e centro direita, vinculada com as principais empresas nacionais e internacionais que operam no país.
No dia 07 de dezembro de 2022, Pedro Castillo estabeleceu um governo de exceção com o intuito de manter a estabilidade democrática devido há duas tentativas de impeachment e decretou a dissolução do congresso da república, toque de recolher, adiantar as eleições e constituir um novo congresso nacional com o intuito de redatar uma nova constituição. Tal evento foi considerado um golpe de estado e ele foi preso horas depois. A vice-presidenta Dina Boluarte assumiu então a presidência do Peru no meio de manifestações que continuam há mais de 2 meses e não pararam até hoje.
A destituição de Castillo e o discurso de Dina Boluarte, do mesmo partido político Peru Libre que levou Castillo ao poder, ao mencioná-lo como golpista e ditador, provocou o levantamento de diferentes sindicatos rurais na região sul do país e foi-se espalhando em todas as regiões do Peru ao considerar a fala dela como uma traição às comunidades que votaram em Castillo e pedem a liberação dele e a elaboração de uma Nova Constituição durante os protestos.

Figura 7: Mapa das regiões que começaram as manifestações em dezembro de 2022 Fonte: BBC, 2022.
Os protestos no Peru já contabilizam mais de 60 mortos, 18 morreram em um dia só na cidade de Juliaca, no sul do Peru, a 1250 km de Lima.
O governo de Dina Boluarte é acusado de lidar com as manifestações com violentos e covardes ataques com bombas e armas de fogo por parte da Polícia Nacional contra os manifestantes. Foi decretado toque de recolher em diversas províncias do país e ainda não há vias de comunicação nem as condições mínimas para um espaço de diálogo entre todos os agentes envolvidos nesta crise política.

Figura 8: Cidadãos do interior protestando em Lima. Fonte: La Tercera, 2023.
Contudo, o país andino encontra-se em uma situação complicada e não se sabe muito bem como será o futuro político e econômico dessa nação, uma vez que é necessário criar as condições mínimas de diálogo e tomar decisões que possam dar fim às manifestações.
É preciso, finalmente, poder atender as demandas dos manifestantes tais como: adiantar as eleições, renúncia de Dina Boluarte, novo congresso e a elaboração de um projeto de lei que permita a reelaboração da Constituição Nacional, que seja igualitária para toda a sociedade peruana e que permita uma mudança na estrutura do governo peruano e a forma de como se fazer política para dar fim a anos de instabilidade políticas que impedem o desenvolvimento do país de forma equitativa e, também, para parar as manifestações que ainda persistem e prejudicam as redes de abastecimento, a economia nacional, as dinâmicas das comunidades em todos os territórios a fim de conter o aumento de número de mortos e reduzir os danos no contexto político e social do Peru.
Referências Bibliográficas:
CRAVEIRO, Rodrigo. Crise se agrava, pressão política aumenta e Peru se torna país em ebulição .Correio Braziliense, 2022. Disponivel em <https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2023/01/5066131-crise-se-agrava-pressao-politica-aumenta-e-peru-se-torna-pais-em-ebulicao.html. > . Acesso em 13 de fevereiro de 2023.
BBC. O que explica as violentas manifestações no Peru? Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=w5MgKsRZK08&ab_channel=BBCNewsBrasil >, 2022. Acesso em 12 de fevereiro de 2023.
WAACK, William. A crise política no Peru. BBC, 2023. Disponível em <
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/a-crise-politica-no-peru/>. Acesso em 13 de fevereiro de 2023.
G1. Protestos no Peru: entenda a crise política no país, quem são os manifestantes e a escalada da violência. Disponível em < https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/20/entenda-os-protestos-politicos-no-peru.ghtml >. Acesso em 12 de fevereiro de 2023.
AP NEWS. AP Explica: ¿Qué hay detrás de la crisis política en Perú?. Disponível em < https://apnews.com/article/noticias-ab662e130534ff12fefcaf3b98364dab >. Acesso em 12 de fevereiro de 2023.
DW América Latina. ¿Cómo ayudar a Perú? Ni hay propuestas regionales, ni Perú las escucharía. Disponivel em < https://www.dw.com/es/c%C3%B3mo-ayudar-a-per%C3%BA-ni-hay-propuestas-regionales-ni-per%C3%BA-las-escuchar%C3%ADa/a-64499502>. Acesso em 13 de fevereiro de 2023.
BBC.Coronavirus en Perú: 4 claves que explican el extraordinario aumento del número de muertes en el país por la pandemia. Disponível em < https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-57325693>. Acesso em 15 de fevereiro de 2023.
Comments