TEXTÃO: ORIGENS DA PRIMEIRA FAVELA DO BRASIL
- 19 de dez. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de jan. de 2022
Escrito por: Robson Alfredo de Carvalho Soares.
Revisado por: Prof. Dra. Lussandra Martins Gianasi; Wellerson Dias.

Figura 1: Morro da Providência.
Fonte:https://wikifavelas.com.br/index.phptitle=Morro_da_Provid%C3%AAncia#/media/Arquivo:Foto_por_Maur%C3%ADcio_Horta.jpg
Uma pesquisa divulgada pelo IBGE (2019) evidenciou que o número de favelas no Brasil dobrou nos últimos 10 anos, os dados do instituto em 2010 apontavam para 6.329 favelas em 323 municípios contendo cerca de 3,2 milhões de residências, já em 2019 esses números chegaram a 13 mil aglomerados subnormais (nome usado para favelas e vilas com padrões irregulares de construção) em 734 municípios com cerca de 5 milhões de domicílios.
Resolver o déficit habitacional em nosso país é algo extremamente desafiador e necessário, apesar dos esforços do programa Minha Casa Minha Vida que construiu 5 milhões de moradias entre 2009 e 2018. Mesmo assim a favelização no Brasil avançou de forma considerável, principalmente na pandemia que acentuou ainda mais as desigualdades sociais e econômicas (Lara, Gomes 2021). Entretanto, o déficit habitacional é um problema antigo da nossa sociedade, pois é fruto de um Estado negligente com suas responsabilidades com parte da população, ao ferir a Constituição em seu artigo 6° . Historicamente essa negligência vem desde a abolição da escravatura que, enquanto o Governo indenizava fazendeiros escravagistas, não dava o menor amparo aos recém libertos, mas sim os abandonou à própria sorte, sem moradia e com direitos essenciais negados (Maringoni, 2011) . Lazzo Matumbi em sua música, 14 de maio, retrata muito bem a realidade vivida pelo negro alforriado, em um trecho Matumbi canta “No dia 14 de maio, eu saí por aí, não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir. Levando a senzala na alma, eu subi a favela, pensando em um dia descer, mas eu nunca desci” esse trecho evidencia um momento histórico, onde se transitava da mão de obra servil para a assalariada. Os ex-escravizados que agora eram “livres” não tinham acesso ao mercado de trabalho que passou a ser ocupado por imigrantes europeus numa tentativa estatal de branquear a população, sem trabalho e sem posses os negros não tiveram alternativas a não ser ocupar áreas que o mercado imobiliário não tinham interesse. Anteriormente e ainda hoje as favelas nasceram e crescem cada vez mais. Para entendermos um pouco mais, vamos conhecer como surgiu a primeira favela do Brasil.
Localizada no Morro da Providência, no bairro Gamboa, área central do Rio de Janeiro, a Favela da Providência, surgiu no ano 1897, perdurando até os dias atuais. A princípio conhecida como Morro da Favela, foi ocupada principalmente por ex-combatentes do confronto de Canudos, que foram à guerra com a promessa de que ao retornarem, além do soldo, receberiam também uma casa (Pereira, 2011). Após a guerra, o Exército Brasileiro não cumpriu com o trato, sendo assim, esses militares sem moradia ocuparam uma área atrás do quartel, construindo barracos de madeira com a permissão do Exército. Outros moradores que ocuparam o Morro da Providência eram frutos de uma política sanitarista que desalojou um dos maiores cortiços da época para a construção do túnel João Ricardo.

Figura 2: Construção do túnel João Ricardo localizado no bairro Gamboa, Rio de Janeiro, Brasil.
Fonte:https://riooportunidadesdenegocios.com.br/produtos/noticias-de-impacto/historia-do-tunel-joao-ricardo-que-deu-fim-a-cabeca-de-porco/5a900df15e3cff1a007c8719
Essa lógica higienista extinguiu inúmeros cortiços no Rio de Janeiro com o intuito de deixar a cidade apresentável e bela. No entanto, porém nunca existiu nenhuma política habitacional para essa população, o que acabou por agravar ainda mais o problema de moradias acelerando assim o desenvolvimento das favelas. “O Cabeça de Porco” como era conhecido, chegou a ter 4.000 habitantes entre ex-escravizados, trabalhadores informais e imigrantes pobres, chegando a ser inspiração do clássico literário brasileiro “O Cortiço”, do autor Aluísio Azevedo. Outro fato importante é que esse cortiço a princípio era um casarão pertencente ao Conde D’eu, esposo da Princesa Isabel, que repartiu o casarão em pequenas residências, passando a receber aluguéis através dos cobradores da Coroa.
O termo “favela”, à princípio, era atribuído a uma planta espinhosa presente em um Morro próximo ao vilarejo de Canudos na Bahia, que ficou conhecido como Morro da Favela. Ao retornar, os ex-combatentes que foram morar no Morro da Providência passaram a chamar seu novo lar de Morro da Favela, em referência ao morro baiano. Com o passar do tempo, a favela se tornou sinônimo de moradias precárias geralmente auto construídas, podendo ser de alvenaria ou tábuas. Ainda no início do século XX o termo favela já era usado em documentos oficiais de forma pejorativa, associando as favelas à sujeira e lugar de gente com moral e índole duvidosa. No dia 4 de novembro de 1900 o delegado de polícia Enéas Galvão emitiu um documento público com afirmações nesse sentido, posteriormente essa data foi apropriada e usada para celebrar o dia da favela. Também houve aqueles que atuaram para desconstruir essa imagem como o sambista Bezerra da Silva que contraria essa associação pejorativa que atribuíram aos aglomerados ao passar dos anos, em sua canção “Eu sou favela”. Silva expõe em um trecho de sua música que “A favela, nunca foi reduto de marginal, ela só tem gente humilde marginalizada e essa verdade não sai no jornal a favela é, um problema social”. Esse modelo de moradia se espalhou ao redor do país, abrigando milhões de pessoas excluídas e marginalizadas. Conhecer a origem das favelas no Brasil é parte essencial para compreender os problemas históricos da nossa sociedade, como o déficit habitacional, a falta de acesso à saúde, ao saneamento básico - direitos garantidos na Constituição e que todos deveriam ter acesso - principalmente em tempos pandêmicos.
REFERÊNCIAS
Pereira de Queiroz Filho, Alfredo SOBRE AS ORIGENS DA FAVELA. Mercator - Revista de Geografia da UFC [en linea]. 2011, 10 (23), 33-48 [fecha de Consulta 14 de Octubre de 2021]. ISSN:. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273621468004
BARROS, Alerrandre. Quase dois terços das favelas estão a menos de dois quilômetros de hospitais. 2020. Editoria: Séries Especiais. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-/noticias/27728-quase-dois-tercos-das-favelas-estao-a-menos-de-dois-de-hospitais. Acesso em: 14 out. 2021.
ORLANDO ALVES DOS SANTOS JUNIOR (Rio de Janeiro). Observatório das Metrópoles (org.). Os cortiços na área central do rio de janeiro: invisibilidade, heterogeneidade e vulnerabilidade. Rio de Janeiro: Pesquisa Prata Preta – Projeto Morar, Trabalhar e Viver no Centro, 2019. 95 p. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wp-content/uploads/2019/07/Relat%C3%B3rio-final-Corti%C3%A7os-_-jul-2019.pdf. Acesso em: 14 out. 21.
SILVA, B. EU SOU FAVELA. RIO DE JANEIRO: SONY&BMG. 2005. Disponível em: https://open.spotify.com/track/5gFouIxkYEZknuUkNzWoRi?si=8KtbQZzhRCu75fTo0KwPWw&utm_source=copy-link. Acesso em 15 out 2021.
MATUMBI, L. 14 DE MAIO. BAHIA: STUDIO MAKWETO57. 2018. Disponível em: https://open.spotify.com/track/2Ue6J11Ssvv0XBXLDUnge1?si=37b6b9e6dfd24b18
Dia da Favela: Cufa pede reflexão sobre potencial das comunidades. BOL.UOL. RIO DE JANEIRO. 04/11/2021. Disponível em: https://www.bol.uol.com.br/noticias/2021/11/04/dia-da-favela-cufa-pede-reflexao-sobre-potencial-das-comunidades.htm
MARINGONI, Gilberto. O destino dos negros após a Abolição. Desafios do Desenvolvimento, São Paulo, ano 8, ed. 70, 29 dez. 2011, p 34-42. Disponível em:
LARA, Walace; GOMES, Paulo. Pandemia empurrou cerca de 20 mil famílias para habitações precárias e cidade de SP ganhou 24 novas favelas, diz secretaria. G1 São Paulo, São Paulo, 24 jun. 2021. SP2, p. 1-1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/06/24/pandemia-empurrou-cerca-de-55-mil-familias-para-habitacoes-precarias-e-cidade-de-sp-ganhou-150-novas-favelas-diz-secretaria.ghtml. Acesso em: 19 dez. 2021.
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